legado brasiliense

O Planalto Central na Regência da República

Em comemoração aos 65 anos de Brasília, do Correio Braziliense e do Instituto Histórico e Geográfico do DF, pesquisadores destacam os primórdios da ideia de se construir a nova capital do país

PRI-0106-ARTIGO_CIDADES -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0106-ARTIGO_CIDADES - (crédito: Maurenilson Freire)

Por Jorge Henrique Cartaxo — jornalista e diretor de Relações Institucionais do IHG-DF; e Lenora Barbo — arquiteta e diretora do Centro de Documentação do IHG-DF

Especial para o Correio

"Morra o traidor!". Assim reagiu a aglomeração de, aproximadamente, quatro mil pessoas reunidas no Campo de Santana, na tarde do dia 5 de abril de 1831, ao saber da nomeação, por Dom Pedro I, de um novo gabinete impopular e distante da expectativa dos brasileiros. Dom Pedro não respeitava a Constituição e fragilizava a independência do Brasil!

Pressionado e sentindo a crescente perda de autoridade, Dom Pedro faz uma viagem a Minas, em janeiro de 1831. No caminho e em Ouro Preto, ele viu a indiferença da população. No seu regresso, em 11 de março de 1831, os portugueses acenderam suas luminárias para saudar o imperador e tentaram pressionar os brasileiros para fazerem o mesmo. O resultado foi a violência generalizada na cidade que ficou conhecida como "a noite das garrafadas".

As tensões se seguiram até a manifestação no Campo de Santana, em 5 de abril, com a presença de parlamentares, militares, dentre eles o general Lima e Silva, numa mobilização contra o imperador. Num último gesto, Dom Pedro enviou uma declaração aos manifestantes. Antes de ser concluída a sua leitura, a mesma foi arrancada das mãos do juiz de paz, rasgada e jogada ao chão. Diante da tensão crescente, o general Lima e Silva vai a São Cristóvão — em nome dos líderes do movimento — e negocia com Dom Pedro a abdicação, a manutenção da monarquia e a segurança dos filhos do imperador. Concluía-se, de fato, a independência! O Rio de Janeiro, capital da colônia, do Reino Unido e do Primeiro Império — contestada desde 1808 — era insalubre e geopoliticamente imprópria. Ao ser expulso do Brasil, Pedro I anulava sua última referência: o símbolo da nação!

Já no Brasil, depois do longo exilio na França, Bonifácio é nomeado tutor do menino Pedro II. Suplente de deputado, liderava uma articulada bancada na Assembleia. Bonifácio resgatou suas teses clássicas: abolição, integração indígena, escolas, universidades e a interiorização da capital. Não por acaso, no dia 14 de maio de 1831, pouco mais de um mês após a abdicação, o deputado João Candido de Deos, da província do Pará, apresentou o primeiro projeto no Parlamento propondo a mudança da capital do Rio de Janeiro. As iniciativas anteriores haviam sido nas cortes de Lisboa, em 1821, e na Constituinte de 1823, que seria dissolvida por Dom Pedro I. Na proposta de João de Deos, por decisão da Assembleia o governo formaria uma comissão para indicar, no interior do império, no seu ponto central, o sítio onde se edificaria a nova capital.

Em 1833, no mesmo ano em que José Bonifácio seria novamente preso e posto em prisão domiciliar na Ilha de Paquetá, o deputado Ernesto Ferreira França, da província de Pernambuco, apresentou à mesa da Câmara dos Deputados requerimento solicitando que se imprima o memorial-proposta, entregue em 1823 pelo deputado José Bonifácio de Andrada à Assembleia Constituinte e Legislativa do Império, que tratava da mudança da capital do Brasil para o interior: "Parece muito útil, até necessário, que se edifique uma nova capital do império no interior do Brasil".

Em 1850, Adolfo Varnhagen — diplomata, humanista e militar, assim como José Bonifácio — em seu Memorial Orgânico — considerando uma certa tranquilidade política no país após a abdicação de Dom Pedro I — , sugere: "Mas se, abandonando a ideia de achar já feita e acabada a cidade que tanto nos convém, nós resolvermos fundar uma, segundo as condições que se requerem a toda a capital de um país civilizado hoje em dia... E como não temos de cor toda a configuração do Brasil, olhemos para o mapa, que ele mesmo indica uma situação como não temos segunda, nem a terá nenhum outro país. É a em que se encontram as cabeceiras dos afluentes Tocantins e Paraná, dos dois grandes rios que abraçam o Império; é, o Amazonas e o Prata, com as do S. Francisco, que depois de o atravessar pelo meio desemboca a meia distância da cidade da Bahia e de Pernambuco. É nessa paragem bastante central e elevada, donde partem tantas veias e artérias que vão circular por todo o corpo do Estado, que imaginamos estar o seu verdadeiro coração; é aí que julgamos deve fixar-se a sede do governo do Império".

O tema mudancista, desde então, acompanharia as ações e reflexões políticas do Visconde de Porto Seguro, Adolfo Varnhagen, até a sua morte em 1878. A mudança da capital, antes da Proclamação da República, mereceu mais duas referências no Parlamento. Em 1852, o senador Holanda Cavalcanti apresentou projeto de lei que mandava mudar a capital para uma região no interior do País. A proposta do senador Cavalcanti, inspirada nos textos de Varnhagen, foi discutida na sessão do dia primeiro de junho de 1853.

O senador Jobim, por sua vez, em setembro de 1853, ao solicitar providências sanitárias para o Rio de Janeiro, observou: "Além disto, Sr. Presidente, como já tive ocasião de dizer, é sempre insalubre uma cidade como está situada sobre um terreno que quase todo foi antigamente um pântano.... Porque razão a capital do império há de estar colocada nesta localidade? Até a politica aconselhava que fosse situada em serra acima, à margem de rios, onde houvesse abundância de água para não estarmos a gastar 19.000:000$, como se pretende fazer para abastecer a cidade do Rio de Janeiro. Este lugar é próprio para um depósito comercial, e não para ser a capital do império que devia estar em lugar interno, onde houvesse mais segurança; porque um encouraçado inglês, que queira esbandalhar esta cidade, entra na barra com a maior facilidade, queima, destrói e arrasa tudo. Não há coisa mais fácil. Basta que se apodere da Ilha das Cobras, como fez, em 1711, Duguay Trouyo, quando atacou e tomou o Rio de Janeiro".

Proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, o tema da mudança da capital se faz presente no primeiro ato. A cena se deu no mesmo Campo de Santana onde lideranças politicas, militares reunidos, em 1831, determinaram a abdicação de Dom Pedro I. Já no primeiro decreto Republicano, com 11 artigos, assinado pelo governo provisório presidido por Deodoro da Fonseca (integravam também Benjamim Constant, Eduardo Wandenkok, Aristides Lobo, Rui Barbosa, Campo Sales, Quintino Bocaiúva e Demétrio Ribeiro) na tarde de 15 de novembro, lia-se: Artigo 1. Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira — a República Federativa... Artigo 10. O território do Município Neutro fica provisoriamente sob a istração imediata do governo provisório da República e da cidade do Rio de Janeiro constituída, também provisoriamente, sede do poder federal.

A Constituição Provisória da República, estabelecida pelo Decreto número 914-A, de 23 de outubro de 1890, reitera, no seu Artigo 2, a proposta para a construção de uma nova capital: "Cada uma das antigas províncias formará um Estado e o antigo Município Neutro construirá o Distrito Federal, continuando a ser a capital da União, enquanto outra não deliberar o Congresso. Se o Congresso resolver a mudança da capital, escolhido para este fim o território mediante o consenso do Estado ou os estados de que tiver de desmembrar-se, ará o atual Distrito Federal de per si a constituir um estado".

No mesmo tom, o anteprojeto de Constituição elaborado pela Comissão de Juristas, nomeada pelo governo provisório da República, estabeleceu no seu Artigo 2: "As antigas províncias são consideradas Estados; e o Distrito Federal, outrora Munício Neutro, continuará a ser capital da União, até que o Congresso resolva sobre a sua transferência. Parágrafo único — Escolhido para esse fim o território, com o assentimento do Estado ou Estados de que houver de ser desmembrado, o referido Distrito será anexado ao Estado do Rio de Janeiro, conforme determinar o Congresso."

Em 1891, a primeira Constituição da República, no seu Artigo 3, assim determina: "Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada, para nela estabelecer-se a futura Capital Federal. Parágrafo único — Efetivada a mudança da Capital, o atual Distrito Federal ará a constituir um Estado".

 


postado em 01/06/2025 07:00
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