ONCOLOGIA

Especialistas reforçam a eficiência da imunoterapia no combate ao câncer

Aliado a outros medicamentos, tratamento que estimula o sistema de defesa do paciente a combater o câncer resultou em menos risco de morte e de retorno de vários tipos de tumores oncológicos, segundo o maior congresso da área

Na imunoterapia, células do sistema de defesa do próprio paciente (vermelhas) 
são estimuladas a reconhecer e atacar 
o câncer -  (crédito: Rita Elena Serda/Divulgação )
Na imunoterapia, células do sistema de defesa do próprio paciente (vermelhas) são estimuladas a reconhecer e atacar o câncer - (crédito: Rita Elena Serda/Divulgação )

O papel da imunoterapia no tratamento de vários tipos de câncer foi destaque no congresso anual da Associação Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco) encerrado ontem em Chicago, nos Estados Unidos. Entre os mais de 5 mil trabalhos apresentados em quatro dias de evento, muitos demonstraram como a adição da abordagem à terapia convencional reduz significativamente o risco de morte e de retorno da doença. A intervenção é caracterizada pelo estímulo do próprio sistema imunológico no combate ao tumor. 

Um dos resultados mais comemorados no congresso foi o do estudo de fase 3 Keynote-689. O trabalho demonstrou, pela primeira vez, os benefícios da imunoterapia com a substância pembrolizumabe antes e depois da cirurgia em pacientes com câncer de cabeça e pescoço (tumores de boca, língua, garganta, laringe) localizado, mas com grande risco de retornar. Pessoas que receberam o tratamento viveram, em média, 60 meses sem progressão da doença — o dobro, comparado ao grupo de controle. 

No total, a redução de risco de eventos associados ao câncer, como retorno, metástase ou morte, foi 27% menor no grupo da imunoterapia. "Esse é um ganho que não acontecia há muito tempo no cenário dos cânceres de cabeça e pescoço", comenta Gustavo Schvartsman, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, que acompanhou o evento em Chicago. 

Para Kein Harrington, professor do Instituto de Pesquisa do Câncer do Reino Unido, os resultados mostram que a imunoterapia pode mudar o curso da doença para pacientes com câncer de cabeça e pescoço sem metástases, porém avançado. "Para esses pacientes, as opções de tratamento não mudaram há mais de 20 anos. A imunoterapia dobrou o tempo livre da doença e isso é maravilhoso", comentou, em nota. 

Estômago

Também foi destaque um tratamento com imunoterápico voltado a tumores gastrointestinais, que reduziu em 10% o risco de recidiva da doença. O Matterhorn foi o primeiro estudo de fase 3 global a mostrar o benefício clínico da imunoterapia em tumores gástricos operáveis. Segundo a líder do estudo, Yelena Janjigian, do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York, apesar de avanços recentes, as taxas de cura para câncer de estômago em estágio inicial ainda estão abaixo de 50%. "A maioria das recidivas ocorre nos dois primeiros anos após a cirurgia", explicou, na apresentação dos resultados. 

O Matterhorn avaliou a adição do imunoterápico durvalumabe à quimioterapia em pacientes de câncer gástrico operados No total, 948 pessoas participaram do estudo. Entre outros resultados, houve uma melhora de 29% na sobrevida livre de eventos (morte ou recidiva) no grupo da intervenção, comparado ao tratamento padrão. "Esse estudo define um novo paradigma para pacientes com câncer gástrico inicial e localmente avançado", acredita Janjigian.

Personalização

Gustavo Schvartsman, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, também ressalta a importância da imunoterapia no tratamento do subtipo mais agressivo de câncer de pulmão, o de células pequenas. "Vimos dois estudos importantes para a doença extensa, ou seja, avançada e com metástase", diz. Um deles combinou a substância atesorizumabe com uma quimioterapia, a lurbinectidina. Após 15 meses, a sobrevida livre da doença foi de 5,4 meses neste grupo, comparado a 2,1 meses entre os pacientes que usaram apenas o imunoterápico. "A lurbinectidina ainda não está disponível no Brasil, mas, devido a esse estudo, deve chegar até o fim do ano", diz Schvartsman. 

Para Márcio Almeida, oncologista de Brasília que acompanhou o Asco em Chicago, os resultados animadores apresentados no congresso reforçam a importância do tratamento oncológico personalizado. "Esses avanços refletem uma tendência crescente em direção à personalização do tratamento oncológico, com terapias mais eficazes e menos tóxicas, adaptadas ao perfil molecular de cada paciente. O Asco 2025 consolidou-se como um marco na evolução da oncologia moderna", acredita.

 Mudança para melhor

O congresso da Asco de 2025 foi extremamente importante, porque vários estudos modificaram para melhor a vida dos pacientes. Muitas pesquisas mostraram uma solidificação do papel da imunoterapia, uma das mais importantes avaliou esse tratamento em conjunto com a radioquimioterapia na prevenção de pacientes com câncer de cabeça e pescoço operados, e mostrou que essa conjunção de tratamentos reduz o risco de volta da doença ou de morte de modo significativo. Também foram desenvolvidos vários biomarcadores que dão um entendimento melhor do tumor, de como ele cresce em cada tipo de paciente, e quais drogas poderão silenciar esses mecanismos específicos. 

Fernando Maluf, oncologista, fundador do Instituto Vencer o Câncer 

 Exercícios físicos protegem contra o câncer

No maior congresso de oncologia do mundo, os destaques não foram apenas terapias-alvo e drogas inovadoras. Um estudo muito bem recebido, o Challenge, mostrou que um programa supervisionado de exercícios físicos de três anos reduziu significativamente o risco de recorrência e morte em pacientes com câncer de cólon em estágio III e em estágio II de alto risco. 

Conduzido com 889 pacientes de sete países, o estudo foi apresentado no Congresso da Associação Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco) e publicado simultaneamente no New England Journal of Medicine. O resultado foi elogiado por demonstrar que uma intervenção não-medicamentosa tem grande potencial preventivo. "Nas discussões acadêmicas, o papel protetor em pacientes que já tiveram câncer ainda é alvo de debate pela dificuldade de um estudo que avalie o exercício como fator isolado", observa o médico Daniel Musse, da Oncologia D'Or. "Dessa vez, estamos diante de um dado concreto e de uma ciência de qualidade, mostrando que exercício físico faz pacientes que tiveram câncer de cólon viverem mais."

O Challenge acompanhou os participantes, que haviam ado por quimioterapia e cirurgia para câncer de cólon, por oito anos. Os pacientes foram divididos em dois grupos. Um deles recebeu apenas orientações gerais de saúde. O outro foi submetido a um programa estruturado de exercícios moderados com sessões quinzenais no primeiro ano e mensais nos 24 meses seguintes. 

Caminhada

A meta era atingir 150 minutos de atividade moderada por semana, o equivalente a três a quatro caminhadas rápidas de 45 a 60 minutos. Cinco anos após o início do estudo, 80,3% dos pacientes do grupo que se exercitava estavam livres de câncer, contra 73,9% dos controles. Em oito anos, a sobrevida global foi de 90,3%, comparado a 83,2%.

No total, a redução do risco de morte atribuída à prática de atividades físicas foi de 37%. "Esses resultados fornecem uma resposta clara: um programa de exercícios com e reduz o risco de recorrência ou novo câncer, melhora o bem-estar e ajuda a viver mais", disse, em nota, o oncologista Christopher Booth, da Queen's University (Canadá), um dos autores do estudo. "Estamos prontos para implementar essa abordagem na prática clínica."

Para o oncologista Gustavo Schvartsman, do Hospital Israelita Albert Einstein, o trabalho apresentado no Asco tem grande relevância. "O percentual de redução de recidiva foi muito significativo, parecido com o número obtido por quimioterapia adjuvante. Ou seja, só de fazer exercício físico bem feito, constante e regular, o paciente reduz muito o risco", comemora.

postado em 04/06/2025 06:00
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