
Numa cena do longa de estreia de João Wainer no campo da ficção, um homem arrasta um jovem, pelo asfalto, sob olhar de testemunhas, e decreta: "Volta pra jaula!". A intenção é recompor o cativeiro em que o personagem Djalma (Chay Suede), que vive de pequenos furtos, habitava: um carro de luxo à prova de interferências externas. Pesa no longa A Jaula a justiça sumária do linchamento, em que o personagem de Alexandre Nero, um médico burguês, se arvora em protagonizar violências, depois de contar que, por 28 vezes, teria sido vítima de criminosos.
A jaula foi filmado em novembro de 2018, com Bolsonaro eleito, mas sem ter tomado posse. "Nosso desafio que era o de adaptar um filme argentino (4x4) para a realidade brasileira. A gente teria que imaginar como estaria a realidade brasileira três anos depois. Foi quase um exercício de futurologia", explica Wainer, diretor de documentários como Picho e Junho, o mês que abalou o Brasil.
O confinamento da covid-19, claro, se tratou de coincidência, na projeção da fita em que Djalma a muito tempo dentro de um carro, sofrendo torturas. "Isso foi coincidência, mas que o Brasil estaria pior, com Bolsonaro, isso era meio óbvio. E, nisso, era absolutamente previsível e que haveria um bando de idiotas, empoderadas, fazendo merda por aí", comenta o diretor João Wainer.
"O sentimento da justiça com as próprias mãos vem do Brasil que sempre foi violento. De tempos em tempos, a gente tem essa galera saindo do esgoto, e agindo. Faz parte da mentalidade do brasileiro. O governo atual estimula uma coisa que é natural do país — de tempo em tempo, há quem saia do esgoto, para infernizar a nossa vida"
João Wainer, cineasta
Além de fazer um livro, produzido em quatro, sobre o Carandiru; Wainer conta que, no jornalismo, trabalhou por anos no jornal Notícias Populares — "que bastava espremer, para sair sangue" —, e completa: "Fotografei muito cadáver, e tive muito contato com polícia e com bandidos". Muito fã do cineasta argentino Mariano Cohn (de Cidadão ilustre e O homem do lado), Wainer viu como um presente a lida com roteiro anteriormente assinado por Cohn e Gastón Duprat.
"Quase não há roteiristas assim: tudo é muito bem resolvido, sendo tudo filmado em ambiente pequeno (um carro), é importante que, naturalmente, haja quebras no roteiro que ajudam quem está dirigindo o filme", explica. Para além da proibição imposta ao diretor de fotografia Leo Resende Ferreira de repetir planos visuais de dentro do carro ("o carro ficou parecendo de lego, todo picotado, para que a câmera se movimentasse dentro dele"), João Wainer com desafios como o de deixar Chay Suede com "cara de maloqueiro". "Ele é bonito, e ficou difícil de imprimir isso. Chamei o cabeleireiro do Mano Brown, e, para construirmos o vocabulário, trouxemos o Ferréz, um escritor da periferia paulistana", diz o diretor.
Comandar um roteiro em que transborda violência também não foi tarefa tranquila. "Nas filmagens, a gente apostou, lá atrás, o que infelizmente se confirmou: com o Bolsonaro no poder, há estímulo para que pessoas, com raiva, tirem ideias malucas, do campo das ideias, e levarem para a prática. De alguma maneira, se autorizou pessoas violentas a terem armas, e que possam matar bandidos", observa João Wainer.
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