SAÚDE NO PRATO

Os cereais matinais são realmente bons para nós?

Pessoas em todo o mundo consomem cereais matinais no café da manhã, mas muitos deles contêm uma série de aditivos. Como saber se estamos consumindo alimentos saudáveis ou multiprocessados que não beneficiam a nossa saúde?

Os flocos de farelo são produzidos com grãos inteiros, incluindo sua camada externa – o pericarpo -  (crédito: Getty Images)
Os flocos de farelo são produzidos com grãos inteiros, incluindo sua camada externa – o pericarpo - (crédito: Getty Images)

Costumamos ouvir com frequência que o café da manhã é a refeição mais importante do dia. E que, se escolhermos bem os alimentos, uma refeição matinal nutritiva pode ajudar a manter nossa energia e concentração para qualquer desafio que vier à nossa frente.

Ainda assim, a decisão sobre o que comer no café da manhã – ou o que oferecer aos nossos filhos, quando for o caso – às vezes pode parecer avassaladora.

Se você preferir os cereais matinais (como fazem 53% da população americana, todas as semanas), você tem muitas opções à sua escolha. Pode ser mingau de aveia, granola, muesli, farelo, flocos de milho ou de arroz.

As opções são infinitas, cada uma com uma caixa colorida que promete fornecer uma refeição saudável e nutritiva.

Mas, embora os cereais matinais sejam tradicionalmente observados desta forma, cientistas alertam que eles são lanches ultraprocessados e, por isso, não são bons para a nossa alimentação.

Então, qual é a verdade? E qual tipo de cereais deveríamos estar (ou não) comendo?

Vamos começar por alguns fatos. Os cereais são gramíneas da família Poaceae, cultivadas para obter seus grãos ou sementes comestíveis.

Os cereais usados na alimentação incluem trigo, arroz, aveia, cevada e milho. Todos eles possuem três componentes comestíveis principais.

Existe a camada externa, ou pericarpo, que é um dos componentes do farelo. Ele é rico em fibras, vitaminas do complexo B e traços de minerais.

Depois, vem o endosperma, rico em amido e proteínas, para sustentar o embrião da planta em desenvolvimento.

Por fim, o gérmen contém o embrião e é rico em óleo, vitaminas e minerais.

Uma das primeiras pessoas a ter a ideia de transformar os grãos em cereais matinais foi o médico americano John Harvey Kellogg (1852-1943). Na época, ele era superintendente do Sanatório de Battle Creek, uma espécie de híbrido entre um hospital e um resort de saúde.

Para melhorar a alimentação dos pacientes, Kellogg desenvolveu, patenteou e apresentou uma série de novos alimentos, como a granola e os flocos de milho. Com o ar dos anos, eles aram a ser tão onipresentes que, agora, existem dezenas de versões genéricas no mercado.

Sacos abertos de farelo de trigo
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Os flocos de farelo são produzidos com grãos inteiros, incluindo sua camada externa – o pericarpo

A produção de cereais matinais, atualmente, é uma atividade industrial.

Depois da colheita dos grãos, os cereais matinais am por diversas etapas de processamento até serem embalados e transportados para as prateleiras dos supermercados.

Alguns cereais, como os flocos de farelo, são produzidos com os grãos inteiros. Em outros, como certos tipos de flocos de milho, os grãos são picados entre grandes rolos metálicos para retirar a camada externa, na forma de farelo.

Alguns cereais am por outras etapas de processamento, para moer os grãos e transformá-los em farinha.

O produto resultante é misturado com aromatizantes, sal, adoçantes e outros ingredientes, como vitaminas e minerais. Eles são, então, cozidos e moldados em flocos, argolas ou outras formas. Por fim, o cereal é assado ou torrado, para gerar sua textura crocante.

Como os cereais são fortificados com vitaminas e minerais, eles são considerados, há muito tempo, uma forma eficaz de garantir que as pessoas recebam os nutrientes de que elas precisam. Isso é especialmente útil para indivíduos com dietas restritas, que podem ter dificuldade para obter as vitaminas necessárias por meio da alimentação.

As dietas vegetarianas e veganas, por exemplo, costumam conter baixo teor de vitamina B12. Já uma pessoa com intolerância à lactose pode evitar o consumo de leite e, com isso, não ingerir cálcio e vitamina D em quantidade suficiente.

À medida que envelhecemos, também absorvemos certos nutrientes com menos eficiência, o que pode aumentar o risco de desnutrição. Da mesma forma, crianças e mulheres grávidas também enfrentam maior risco de deficiências nutricionais.

Pesquisas confirmam que o consumo de cereais matinais fortificados pode trazer benefícios. Estudos demonstraram, por exemplo, que muitas pessoas em todo o mundo apresentam deficiência de nutrientes importantes.

Paralelamente, um estudo realizado nos Estados Unidos concluiu que, sem a fortificação dos alimentos, grande parcela das crianças e adolescentes não conseguiria ingerir micronutrientes em quantidade suficiente, o que causa riscos de problemas de saúde a longo prazo.

Muitos cereais matinais também contêm alto teor de fibras, um nutriente que alimenta as bactérias "boas" dos nossos intestinos. E 90% das pessoas não consomem este nutriente em quantidade suficiente.

"De forma geral, os cereais fortificados podem fazer contribuição útil para algumas das vitaminas e minerais de que, no Reino Unido, alguns de nós temos deficiência", afirma a professora de nutrição Sarah Berry, do King's College de Londres.

Berry destaca, por exemplo, que, no Reino Unido, quase 50% das meninas com 11 a 18 anos de idade apresentam baixa ingestão de ferro. E, nos Estados Unidos, 14% dos adultos ingerem este nutriente em quantidades inadequadas.

Mulher olha para diversos pratos de mingau oferecidos em um balcão
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O mingau preparado com flocos de aveia é digerido mais lentamente que sua versão instantânea, o que indica que ele pode trazer mais benefícios à saúde

"Mas é preciso equilibrar isso com o fato de que existem muitos cereais com alto teor de açúcar, baixo teor de fibras e alto índice glicêmico, o que significa que eles não irão manter você alimentado por muito tempo", explica Berry.

Existem também outras formas de obter essas vitaminas e minerais que podem ser melhores para a nossa alimentação, como frutas, sementes, legumes e verduras, destaca a professora.

Quais são as opções?

Alguns cereais matinais contêm alto teor de fibra, vitaminas e minerais. Mas muitos deles também têm alto teor de açúcar, sal e gorduras não saudáveis.

A Fundação Britânica do Coração é uma entidade que financia pesquisas cardiovasculares no Reino Unido. Ela indica que uma porção de 30 g de flocos de milho cobertos com açúcar, por exemplo, contém cerca de 11 g de açúcar, ou 12% da ingestão total recomendada máxima do produto no país.

Nos Estados Unidos, não existe um limite recomendado para o total de açúcares, mas a ingestão diária de referência é de 50 g por dia, com base em uma dieta de 2 mil calorias.

Comparativamente, uma porção de 45 g de granola com frutas secas, nozes e sementes contém 9,6 g de açúcar (10,7% da ingestão recomendada total).

A ingestão de uma quantidade tão grande de açúcar de uma vez pode gerar grandes picos de açúcar no sangue. Estes picos, ao longo do tempo, podem aumentar o risco de desenvolver diabetes, doenças cardíacas e outras condições de saúde.

As pessoas que sofrem picos e quedas bruscas de açúcar no sangue também apresentam inclinação a sentir fome mais cedo, o que as leva a consumir lanches que não são saudáveis.

"Sabemos pelas nossas pesquisas que, se você tomar café da manhã com alto teor de açúcar ou carboidratos refinados, duas a quatro horas depois, você tende a sentir menos energia, mais fome e também a ficar menos alerta", segundo Berry.

"Demonstramos ainda que as pessoas que têm essa queda após o café da manhã tendem a consumir sua próxima refeição 30 minutos antes de alguém que tome um café da manhã que não cause esse tipo de queda. E elas tendem a consumir, em média, 100 calorias a mais na sua próxima refeição."

Existe também o receio de que alguns cereais matinais sejam alimentos ultraprocessados. Isso significa que eles aram por processamento industrial significativo.

Estes alimentos costumam conter maior quantidade de açúcares, conservantes, corantes artificiais e outros aditivos.

"Como mãe e como cientista, tenho cuidado ao permitir que meus filhos comam cereais que contêm muitos corantes", explica Berry.

"No Reino Unido, existem em vigor regulamentações rigorosas, para demonstrar a segurança desses aditivos e corantes. Mas acho que há muitas coisas que não sabemos sobre seus impactos sobre a nossa saúde a longo prazo."

"Estamos começando a entender que eles podem prejudicar fatores como o nosso microbioma intestinal, mas ainda não sabemos o suficiente", explica a professora.

Nem tudo o que é processado é ruim

Mas nem todos estão de acordo.

Especialistas e organizações da área de saúde defendem que reunir todos os alimentos ultraprocessados em um só grupo é algo muito simplista – e que nem todos os processados são ruins.

Um estudo realizado em 2024 por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública T. H. Chan da Universidade Harvard, no Estado americano de Massachusetts, concluiu que, embora as bebidas açucaradas e carnes processadas aumentem o risco de doenças cardiovasculares, o oposto também é verdadeiro para pães ultraprocessados, cereais matinais, iogurtes e sobremesas lácteas.

Funcionárias em fábrica de produção de granola lidam com o produto
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É possível aumentar o valor nutricional da granola acrescentando nozes e iogurte no momento do consumo

E nem todos os cereais matinais são iguais.

Berry conta que granola e muesli são opções saudáveis, desde que não contenham muito açúcar.

"A questão é criar um café da manhã que contenha gorduras, proteína e carboidratos, que irão causar liberação mais sustentada de energia e manter você alimentado por mais tempo", explica ela.

"Granolas e muesli contêm muitas nozes, sementes e frutas. Por isso, elas têm alto teor não só de fibras, mas também de proteínas e gordura das nozes."

"Isso irá manter você alimentado por mais tempo e, com isso, equilibrar melhor seus níveis de energia", segundo a professora.

Outro alimento popular no café da manhã é o mingau de aveia. Uma grande análise de estudos incluiu dados de mais de 470 mil indivíduos e acompanhou sua saúde por anos ou décadas.

Os pesquisadores concluíram que as pessoas com maior ingestão de aveia apresentaram 22% menos probabilidade de desenvolver diabetes tipo 2, em comparação com as que tiveram menor consumo do alimento.

As pessoas que consumiram pelo menos 19 g de aveia por dia também apresentaram 24% menos risco de morte por todas as causas, em comparação com aquelas que comeram menos.

O ingrediente considerado principal responsável pelos benefícios da aveia à saúde é uma fibra alimentar conhecida como beta glucano.

Diversos estudos clínicos demonstraram que o beta glucano reduz os níveis de colesterol no sangue, particularmente da lipoproteína de baixa densidade (LDL), o colesterol "ruim" relacionado a doenças cardíacas.

Alguns estudos também indicam que o beta glucano pode reduzir o risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2 e ajudar a desenvolver melhor controle da insulina.

Nem tudo que brilha é ouro

Mas muitos cereais matinais à base de aveia são produzidos com farinha de aveia finamente moída que não tem os mesmos benefícios à saúde dos flocos de aveia integrais.

A grande superfície dos cereais matinais produzidos com farinha de aveia, em comparação com os flocos, faz com que eles sejam digeridos em menos tempo, de forma que o açúcar entra rapidamente no fluxo sanguíneo.

O mesmo acontece com mingaus pré-cozidos, preparados com "aveia instantânea".

Um estudo clínico pediu a voluntários que comessem flocos de aveia em um dia e aveia moída fina instantânea em outro. Os pesquisadores concluíram que, embora os dois tipos de aveia contivessem a mesma quantidade de fibras, proteínas, gordura e carboidratos, a aveia moída mais fina produziu um pico muito maior dos níveis de açúcar no sangue dos participantes.

Paralelamente, cereais matinais produzidos com grãos refinados, que tiveram retiradas as camadas de pericarpo e gérmen, ricas em fibras, também podem trazer menos benefícios.

Estudos relacionaram o consumo de grãos inteiros à redução do risco de câncer, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e outras doenças crônicas. Mas pesquisas indicam que alguns desses benefícios à saúde aparentemente não se aplicam aos grãos consumidos na sua forma refinada.

"Os cereais em grãos inteiros são saudáveis porque contêm alto teor de fibras", afirma o nutricionista clínico Riccardo Caccialanza, da Universidade de Pavia, na Itália.

Caccialanza explica que uma função importante deste nutriente é reduzir a velocidade da digestão dos alimentos. Por isso, surgem menos picos e melhor controle da glicose.

"Mas, se você retirar as fibras, como acontece quando você refina os grãos, a glicose aumenta com mais rapidez."

Vasilha de plástico contendo cereais matinais
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Nem todos os cereais matinais causam efeitos prejudiciais à saúde, mas é preciso prestar atenção nos produtos com alto nível de açúcar

Afinal, os cereais matinais são bons para nós ou não? Bem, isso depende inteiramente de cada cereal.

Um estudo na Austrália examinou mais de 140 mil pessoas com 45 anos de idade ou mais e concluiu que comer muesli no café da manhã reduziu o risco de doenças cardíacas, AVC e diabetes.

Outro grande estudo perguntou a mais de 186 mil participantes com 40 a 69 anos de idade no Reino Unido sobre seus hábitos alimentares – incluindo o consumo de cereais matinais – e acompanhou os participantes, em média, por 13 anos.

A conclusão foi que as pessoas que comiam diariamente pelo menos uma tigela de muesli, cereais à base de farelo e mingau eram 15%, 12% e 11%, respectivamente, menos propensas a morrer durante o período de acompanhamento do que aquelas que não se alimentavam com cereais matinais.

Por outro lado, indivíduos que se alimentavam com cereais adoçados no café da manhã eram mais propensos a morrer de câncer durante o período do estudo.

Portanto, é fundamental observar cuidadosamente o lado de trás da embalagem, segundo os especialistas.

"Se você escolher cereais que contenham menos de cerca de cinco gramas de açúcar e mais de três gramas de fibra por porção, você estará bem encaminhado para fazer uma escolha saudável para o seu cereal", ensina Berry.

Mas, para que ele fique mais saudável, Berry e Caccialanza sugerem personalizar seu cereal para que ele não contenha apenas carboidratos, mas também uma boa mistura de gorduras saudáveis e proteínas que irá manter você alimentado por mais tempo.

"Adoro granola, mas acrescento mais nozes e iogurte de kefir", explica Berry. "Faço uma granola padrão de supermercado ficar saudável conforme o que coloco por cima."

"E acho que é algo em que as pessoas deveriam pensar um pouco – o que elas podem fazer para acrescentar equilíbrio [aos cereais matinais]?"

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

BBC
Jasmin Fox-Skelly - BBC Future
postado em 26/05/2025 06:13 / atualizado em 26/05/2025 08:49
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