Opinião

O preço do bronze

O belo bronze dos anos 1960, 1970 e 1980, enfim, começou a cobrar seu preço. Levantamento aponta avanço sem precedentes no câncer de pele não melanoma entre pessoas com mais de 65 anos

Até 2050, os casos de câncer de pele não melanoma entre pessoas com mais de 65 anos devem aumentar 140%.  -  (crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press)
Até 2050, os casos de câncer de pele não melanoma entre pessoas com mais de 65 anos devem aumentar 140%. - (crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press)

Chamava-se Rayito de Sol e vinha da Argentina. Minha mãe não perdia a chance de fazer estoque toda vez que encontrávamos o bronzeador em bazares de produtos apreendidos pela Receita Federal. Deixava uma tonalidade belíssima: na formulação, havia urucum, fruto do qual o pigmento era extraído. Embora um pouco da cor se fixasse à pele, parte do bronze acabava no chão do box do banheiro, no biquíni e na toalha de praia. 

Eram os anos 1980, e o que todo mundo queria era bronzear. Nada de proteger. Na minha infância, voltar do clube tostada de Sol era o comum (depois, a gente descascava toda, e puxar a pele esturricada era uma diversão). Só na adolescência é que trocamos o Rayito pelos bloqueadores solares. Mas, por muito tempo, minha mãe continuou fiel ao óleo de urucum com cera de abelha, que ava por cima do protetor para garantir uma corzinha. 

Além do Rayito, no ado, o óleo de avião era item obrigatório na sacola de praia. Aliás, acabei de ver que ele também ainda é vendido pela internet, mas tenho esperança de que os dias gloriosos tenham ficado para trás.

O belo bronze dos anos 1960, 1970 e 1980, enfim, começou a cobrar seu preço. Um levantamento internacional com dados de 204 países e territórios apontou um avanço sem precedentes no câncer de pele não melanoma (os tipos menos agressivos) entre pessoas com mais de 65 anos. A projeção é que, até 2050, os casos aumentem 140%. 

Segundo os pesquisadores, da Univer-

sidade Médica de Chongqing, na China, o câncer de pele está cada vez mais concentrado em países com alto índice sociodemográfico. O envelhecimento da população típico das nações ricas e seus hábitos de lazer, como tostar na Flórida todo verão, são algumas das explicações oferecidas pelos cientistas. Porém, eles alertam, no artigo publicado na revista Jama Dermatology, que "o impacto da doença já começa a se espalhar para regiões menos desenvolvidas". 

Há uma notícia boa, porém. As projeções indicam queda no tipo mais agressivo de câncer de pele, o melanoma. Campanhas preventivas, diagnóstico preciso e novas tecnologias usadas na dermatologia estão por trás da previsão, disseram os pesquisadores da China. 

Mas não é por serem menos agressivos que os cânceres de pele não melanoma deixam de preocupar. Além da saúde, há o fardo econômico: um estudo publicado nos Anais Brasileiros de Dermatologia estimou que o tratamento custou, anualmente, R$ 37 milhões e R$ 26 milhões, respectivamente, para o sistema público e o privado, em 2010.

Décadas depois de abusar do óleo de urucum, minha mãe só saía de casa com proteção UVA/UVB acima de 80. Arrependia-se amargamente de se entregar aos raios solares: ela não teve câncer de pele, mas culpava o Sol pelas rugas. O Rayito ficou para trás — apenas uma lembrança nas fotos em que ela aparecia lindamente bronzeada e, provavelmente, nas manchas deixadas nos biquínis antigos.

 

postado em 26/05/2025 04:38
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