
FABÍOLA MOULIN, presidente da Fundação Memorial de Brumadinho
A educação vai muito além do ensino formal. Como nos lembra Paulo Freire, o aprendizado se dá na troca de experiências, no contato com diferentes realidades e na reflexão crítica sobre o mundo. O Memorial Brumadinho é exemplo de um espaço vivo de aprendizado, onde a memória da tragédia de 25 de janeiro de 2019 pode ser transformada em conhecimento, sensibilização e ação para um futuro mais consciente e responsável.
Visitar o Memorial não é apenas um exercício de rememoração, mas um convite ao diálogo sobre questões fundamentais, como a preservação ambiental, a segurança do trabalho e a responsabilidade social. Alunos de diferentes idades, profissionais de diferentes áreas encontram ali uma oportunidade única de aprendizado, que extrapola as salas de aula e se conecta diretamente com a realidade. A experiência de aprendizagem no Memorial Brumadinho também remete à ideia de "educação para a memória", um conceito que o químico e escritor italiano Primo Levi, ao relatar os horrores do Holocausto, defendeu como essencial para evitar que tragédias se repitam. A memória, quando preservada e compartilhada, não é um peso do ado, mas um instrumento de transformação.
Os espaços construídos onde os eventos aconteceram, como é o caso do Memorial Brumadinho, no Córrego do Feijão, possuem um valor pedagógico inestimável, pois permitem que a história seja vista, sentida e contada numa narrativa que extrapola páginas de livro. Ao serem erguidos nos próprios locais dos acontecimentos, oferecem uma experiência que vai além da informação teórica, estimulando a reflexão e o engajamento emocional. O Memorial do 11 de Setembro, em Nova York, por exemplo, não apenas homenageia as vítimas, mas também educa sobre os impactos do terrorismo e a importância da paz. Da mesma forma, o Memorial de Hiroshima coloca os visitantes diante das evidências da destruição causada pela bomba atômica, promovendo uma profunda conscientização sobre os horrores da guerra e a urgência do desarmamento nuclear.
O campo de concentração de Auschwitz transforma o ensino sobre o Holocausto em uma experiência concreta, permitindo que visitantes compreendam a magnitude do genocídio, aprofundando o que está nos livros. Da mesma maneira, locais como o Memorial da Resistência, em São Paulo, preservam vestígios de períodos autoritários, ajudando a construir uma consciência cidadã sobre direitos humanos. Ao proporcionar um contato direto com os vestígios do ado, esses memoriais tornam-se salas de aula vivas, onde a memória coletiva se fortalece e as lições da história são transmitidas de maneira mais impactante e duradoura.
Mais do que um local de homenagem, o Memorial Brumadinho representa um compromisso com a verdade e o cuidado com cada vítima da tragédia. Ele dá voz às vítimas e suas famílias, garantindo que suas histórias não sejam esquecidas e que sirvam de alerta para futuras gerações. Nesse sentido, ele se torna um legado para a educação em direitos humanos, estimulando debates sobre ética, governança e responsabilidade empresarial.
Para além disso, o Memorial foi pensado para ser um espaço interdisciplinar para professores e pesquisadores. Historiadores, geógrafos, sociólogos, cientistas ambientais e diferentes profissionais podem utilizá-lo como um laboratório vivo para estudos e discussões sobre os impactos sociais e ambientais dos desastres industriais. Essa abordagem integrada reforça a importância do aprendizado baseado em vivências e numa análise mais aprofundada da realidade.
O Memorial também se configura como um ponto de encontro para comunidades atingidas por tragédias semelhantes, permitindo que diferentes grupos compartilhem experiências e aprendam uns com os outros. Esse intercâmbio de vivências contribui para o fortalecimento da resiliência coletiva e para o desenvolvimento de políticas mais eficazes de prevenção e mitigação de riscos socioambientais.
Com oficinas, palestras e exposições interativas pensadas para o espaço, a experiência de aprendizado se torna mais dinâmica e transformadora, assegurando que a memória do desastre não apenas seja preservada, mas também inspire mudanças reais na sociedade.
O Memorial Brumadinho vai além de um espaço físico e pode ser pensado como um "organismo vivo e em movimento". Não é apenas um local de lembrança estática, mas um espaço dinâmico de reflexão, aprendizado e transformação social. Ele acolhe novas narrativas, promove diálogos e mantém sua relevância ao longo do tempo, acompanhando as mudanças da sociedade e as necessidades das comunidades envolvidas.