Artigo

A Convenção de Haia sob a ótica da prioridade dos direitos da criança

A Convenção garante que o melhor interesse de crianças e adolescentes em situação de sequestro internacional seja resguardado, pois permite que o sistema de justiça providencie soluções personalizadas

PRI-2805-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2805-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

ANA CLAUDIA CIFALI, coordenadora jurídica do Instituto Alana, doutorado e mestrado em ciências criminais pela PUCRS e MARIANA ZAN, advogada do Instituto Alana, doutoranda pela Escola de Direito FGV de São Paulo

Nesta quarta, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) relevantes para a pauta das infâncias e adolescências: as ADIs 4.245/2009 e 7.686/2024. Propostas, respectivamente, pelo então partido Democratas e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSol), elas discutem a aplicação da Convenção da Haia sobre Aspectos Civis da Subtração Internacional de Crianças (1980) e o ordenamento jurídico brasileiro.

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A Convenção, que surgiu oito anos antes da Constituição Federal e 10 anos antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é um mecanismo do direito internacional para garantir o melhor interesse de crianças e adolescentes que se encontram em situações de sequestro internacional. São consideradas tais situações o ato de remover uma criança ou adolescente com idade inferior a 16 anos de sua residência habitual sem a autorização de um dos genitores. Também se enquadram os casos em que um dos responsáveis possui autorização para viajar com a criança por um período determinado, sem que haja o seu retorno ao país de residência habitual após o término desse prazo. 

O diploma internacional prevê a chamada regra do retorno imediato e, dada a sensibilidade dos casos, traz hipóteses em que ela não deve ser aplicada. Entre essas, destacam-se: quando há integração da criança ao novo meio, quando há risco grave para ela e quando há sua manifestação expressa em relação ao não retorno. 

Ainda que sejam feitos esforços para solucionar esses conflitos em âmbito internacional, a aplicação literal da regra do retorno imediato, desconsiderando outros aspectos, tem se mostrado muitas vezes um empecilho para a garantia do melhor interesse de crianças e adolescentes, uma vez que os casos envolvem, muitas vezes, a vinda e fuga de mães com seus filhos para o Brasil como forma de proteção e rompimento de ciclos de violência doméstica, violência de gênero e violência contra crianças.

A aplicação da Convenção da Haia requer que cada caso seja analisado individualmente, considerando direitos de crianças e adolescentes em uma perspectiva interseccional. Assim, esse mecanismo de análise garante que o melhor interesse da criança e do adolescente seja resguardado, pois permite que o sistema de justiça providencie soluções personalizadas que endereçam as necessidades específicas de cada criança e adolescente. Para que isso seja possível, esse mecanismo também deve ter como premissa a garantia do direito de participação da criança e adolescente durante todo o processo, direito esses previstos no ECA e na Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU. 

Vale lembrar que a Constituição inaugurou a Doutrina da Proteção Integral de crianças e adolescentes no Brasil, rompendo com a visão menorista do ado e estabelecendo a absoluta prioridade de seus direitos. Logo, o texto constitucional reconhece esse público como sujeito de direitos e garante respeito à sua condição de desenvolvimento, assegurando pleno o aos direitos fundamentais. Além disso, o artigo 227 da Constituição estabelece a responsabilidade compartilhada entre sociedade, famílias e Estado, exigindo uma abordagem integrada e coletiva para garantir o pleno desenvolvimento desses sujeitos. A partir da Constituição e do ECA, todas e todos nós fizemos, enquanto sociedade brasileira, uma escolha política e social de priorizar crianças e adolescentes no centro de todas as nossas decisões.

É necessário notarmos que os casos de aplicação da Convenção da Haia estão estritamente vinculados aos direitos de crianças e adolescentes, uma vez que são discutidos seus direitos, suas relações e suas vidas. Quando o sistema de justiça não é ível e qualificado, há um sério risco de violações aos direitos desse grupo. Isso porque garantir o o à justiça a crianças e adolescentes não se resume à sua entrada no Judiciário, mas envolve também a forma como o sistema está estruturado para acolhê-los adequadamente.

Portanto, é crucial que a interpretação da Convenção seja conduzida de forma sistêmica, levando em conta seu texto literal e também os princípios nacionais de direitos de crianças e adolescentes. É nesse contexto que o julgamento das ADIs 4245 e 7686 é uma oportunidade ímpar para que o Supremo Tribunal Federal estabeleça uma jurisprudência consistente, conciliando os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil com a Doutrina da Proteção Integral, priorizando os direitos de crianças e adolescentes nas discussões e decisões.

 

 

Por Opinião
postado em 28/05/2025 06:00
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