
O Senado Federal aprovou, na semana ada, o Projeto de Lei 2.159/2021, que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O texto havia sido aprovado na Câmara em 2021, mas sofreu mudanças significativas — e bastante negativas para a biodiversidade brasileira — ao ar pelo crivo dos senadores. O projeto é discutido no Congresso desde 2004, a partir de uma proposta do ex-deputado federal Luciano Zica. Em suma, a última versão aprovada pelo Senado flexibiliza todo o licenciamento ambiental brasileiro, o que deu ao texto a alcunha de PL da Devastação por parte de organizações ambientais.
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Leia também: INSS precisa voltar aos trilhos
Uma das mudanças principais a por uma emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Defensor da exploração do petróleo na chamada Margem Equatorial, o político quer criar a Licença Ambiental Especial (LAE), documento único para projetos listados como prioritários pelo governo federal, com rito especial de análise máxima de um ano, com dispensa de etapas hoje existentes. O objetivo parece claro: ar por cima do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), principal responsável por travar a liberação da exploração do chamado "ouro negro" na Amazônia.
Mas esse não é o único ataque ao meio ambiente promovido pelo PL da Devastação. O texto também quer criar a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), uma autodeclaração por parte do empreendedor para quaisquer intervenções, com exceção daquelas "de alto impacto no meio ambiente". É como se um jovem, ao completar os 18 anos, declarasse ser capaz de dirigir um carro apesar de não ter sido aprovado no exame de direção.
Para além do retrocesso óbvio, especialistas alertam para o enfraquecimento de órgãos ambientais fundamentais no processo de licenciamento ambiental, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o próprio Ibama e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Esses órgãos existem para mapear os impactos diretos de empreendimentos com grande potencial de dano — a exemplo, hidrelétricas e barragens de mineração. Mas não só. É durante o licenciamento ambiental que se mapeiam potenciais danos indiretos dessas intervenções, como o aumento do conflito fundiário em áreas de conservação.
Leia também: Eterna ovelha negra
O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, na figura da ministra Marina Silva, tem se posicionado contrário ao PL com a seriedade e a assertividade que o tema merece. "Não podemos retroceder nem um centímetro nas agendas que o Brasil já avançou, inclusive no licenciamento ambiental, que, agora, sofreu um golpe de morte no Congresso Nacional", disse Marina, durante evento em comemoração ao Dia Internacional da Biodiversidade, no Rio de Janeiro, na semana ada.
A ausência de outras vozes do governo contrárias ao PL sinaliza que a ministra parece estar sozinha. E sob ataque de parlamentares. Convidada para falar sobre licenciamento ambiental no Norte do Brasil ontem, na Comissão de Infraestrutura do Senado, Marina abandonou o local após bate-boca e demonstrações explícitas de misoginia. O episódio — muito aquém do que se espera de debates democráticos sobre temas que interessam ao país — ilustra também que os retrocessos no país vão além das questões ambientais.
Saiba Mais