NAS ENTRELINHAS

Análise: João Campos é uma promessa de renovação da esquerda

"O país vive um interregno de lideranças políticas renovadoras e a legenda precisa repensar o seu papel na política brasileira para ultraar a polarização Lula versus Bolsonaro", observa o jornalista

0106-Entrelinhas -  (crédito: Valdo Virgo)
0106-Entrelinhas - (crédito: Valdo Virgo)

Prefeito do Recife, João Campos é novo presidente nacional do PSB. Aos 31 anos, reeleito com 78% dos votos no ano ado, numa ampla coalizão, ocupa um cargo que já foi de seu bisavô, Miguel Arraes (1916-2005), e de seu pai, Eduardo Campos (1965-2014). Formado em engenharia civil pela Universidade Federal de Pernambuco, foi deputado federal de 2019 a 2020, quando concorreu e venceu a disputa pela Prefeitura.

Sua ascensão representa uma tentativa de renovação geracional na política brasileira, se comparada aos demais partidos de esquerda, mesmo considerando que o comando do PSB, até então a cargo de Carlos Siqueira, é compartilhado com políticos mais experientes: o vice-presidente Geraldo Alckmin; os governadores Carlos Brandão Junior (Maranhão), João Azevedo Filho (Paraíba) e Renato Casagrande (Espírito Santo); e os ex-governadores Paulo Câmara (Pernambuco), Márcio França (São Paulo) e Rodrigo Rollemberg (Distrito Federal).

O fato de ser o herdeiro mais carismático de um clã político de esquerda, a família Arraes, não seria suficiente para justificar a antecipação de sua escolha para o comando do PSB, ainda tão jovem, se não houvesse de parte desses dirigentes a avaliação de que o país vive um interregno de lideranças políticas renovadoras e que a legenda precisa repensar o seu papel na política brasileira e ultraar a polarização Lula x Bolsonaro.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tem 62 anos; a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman (PT), 59; a primeira-dama Janja da Silva (PT), 58; o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, 57. O mais novo desse time de esquerda é Guilherme Boulos (PSol-SP), com 42 anos. No campo do centro e da centro-direita, os governadores Eduardo Leite (PSD-RS) e Romeu Zema (Novo-MG) tem 40 e 60 anos, respectivamente; a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB-MS), 55. À direita, o governador Tarcísio de Freitas (PSD-SP) tem 49 anos; e a ex-primeira-dama Michele Bolsonaro (PL), 43.

João Campos é de uma geração de políticos na faixa dos 30 anos, de diversas tendências, representada na Câmara por Camila Jara (PT-MS), 32 anos; Erika Hilton (PSol-SP), 32; Tábata Amaral (PSB-SP), 31; Pedro Campos (PSB-PE), 30; Nikolas Ferreira (PL-MG), 26; Pedro Rousseff (PT-MG); 24; André Fernandes (PL-CE), 24 anos; e Amom Mandel (Cidadania-AM), 24.

ado e presente

O PSB foi constituído originalmente por João Mangabeira, Hermes Lima, Antônio Cândido, Bruno de Mendonça Lima, Paulo Emílio Sales Gomes, Sérgio Buarque de Holanda e José da Costa Pimenta, em 6 de agosto de 1947, por integrantes do movimento Esquerda Democrática, que defendia a garantia das liberdades civis e política durante o Estado Novo. Tentavam se diferenciar tanto do PCB quanto da UDN (União Democrática Nacional).

Extinto pelo regime militar, o PSB foi reorganizado após a anistia de 1979, com o mesmo perfil: um partido de intelectuais progressistas. Entre os seus signatários, estavam os juristas Evandro Lins e Silva, Evaristo de Morais Filho e o escritor Rubem Braga. O linguista Antônio Houaiss foi seu primeiro presidente, sendo sucedido pelo senador Jamil Haddad (RJ). O PSB só ganhou projeção política e eleitoral após a filiação de Miguel Arraes, em 1990.

Líder carismático do Nordeste brasileiro, Arraes emergiu na política como prefeito do Recife, eleito em 1959, e depois como governador de Pernambuco, eleito em 1962, com 47,98% dos votos, pelo Partido Social Trabalhista (PST), apoiado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e setores do Partido Social Democrático (PSD). Derrotou João Cleofas (UDN), representante das oligarquias canavieiras de Pernambuco.

A chamada Frente do Recife foi uma novidade na política de alianças da esquerda brasileira, que viria a se reproduzir na política de frente democrática que se formou em torno do MDB durante o regime militar. Tanto que, ao voltar do exílio, após a reforma partidária do presidente João Figueiredo, de 1979, Arraes permaneceu no PMDB.

O pai de João Campos, Eduardo Henrique Accioly Campos (Recife, 1965-Santos, 2014), neto de Arraes, governou Pernambuco por dois mandatos, foi ministro da Ciência e Tecnologia e presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Candidato à Presidência nas eleições de 2014, no dia 13 de agosto morreu num trágico acidente de avião no litoral paulista, em plena campanha eleitoral. Tinha reais possibilidades de derrotar a ex-presidente Dilma Rousseff, que foi reeleita.

Com a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, e a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2022, a possibilidade de renovação da política brasileira foi bloqueada pela polarização ideológica — a fila dos presidenciáveis foi empurrada para trás. Há um interregno na formação da nossa elite política, cujos quadros são envelhecidos ou ainda estão em formação.

João Campos é uma aposta do PSB de ultraagem da polarização, mas não tem idade para ser candidato a presidente da República. Não sabe ainda se permanecerá no cargo de prefeito, disputará uma cadeira do Senado ou o governo de Pernambuco, nas próximas eleições. Sobre 2026, o novo presidente do PSB fala com o DNA do bisavô na Frente do Recife: "Eu acho que o mundo ideal é que você tenha a maior frente possível na eleição de 2026 e que a esquerda tenha a capacidade de puxar o centro para o perto e não jogar o centro para a direita. É preciso alargar mais. Fazer uma frente realmente ampla em 2026."

 

postado em 01/06/2025 03:55
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