
Por Luis Carlos Alcoforado* — A Constituição da República professa o regime da soberania popular, sob o modelo democrático. O princípio democrático é a fonte que abastece o Estado Democrático de Direito, consequência da soberania popular, o qual propõe assegurar:
a) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; b) a garantia do desenvolvimento nacional; c) a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais; e d) a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
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A consecução dos objetivos da República Federativa do Brasil se processa com fundamento na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, por fim, no pluralismo político.
O povo é o titular do poder, como expressão máxima da vontade do Estado, que se manifesta no exercício das funções legislativa, judiciária e executiva, segundo a distribuição de competências constitucionais.
Cravou o constituinte que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente. Na democracia brasileira, coabitam a representação indireta e a participação direta na vida nacional — dualidade em que se consubstancia o poder soberano do povo, cuja vontade sustenta as bases da legalidade e da legitimidade da atuação estatal.
Diz-se que a democracia brasileira é participativa e representativa, pois comporta as duas modalidades de atuação popular na formação do poder. A democracia representativa ocorre pelo exercício indireto da participação do povo, mediante a escolha de representantes eleitos periodicamente, aos quais se confere mandato político-representativo.
O modelo da democracia representativa é bastante questionável pela ausência de amarras consistentes que fidelizem a vontade do eleitor durante o exercício do mandato político. Raramente há sintonia ou conhecimento do eleitor sobre os compromissos programáticos do representante, que exerce, a rigor, um mandato livre, sem vinculação à vontade dos que o elegeram, e irrevogável.
Há um certo anacronismo institucional na democracia representativa, principalmente porque carece de meios mais eficientes para corrigir o exercício distorcido dos mandatos políticos, sob um modelo em que a liberdade do mandatário se torna despótica, sem afinidade programática ou ideológica com as aspirações dos eleitores, responsáveis por sua eleição.
Na prática, o representante cumpre o mandato — fruto do sufrágio universal e do voto direto — alheio à prestação de contas e insuscetível de revogação (recall). O sistema eleitoral brasileiro, por vícios crônicos — como o abuso do poder econômico, sobretudo, e o excesso de judicialização — compromete a verdadeira vontade do eleitor. Soma-se a isso a equação da proporcionalidade, regra que faz "traquinagens" para neutralizar e mitigar o voto dos mais votados.
O modelo permite que representantes mais votados não obtenham mandatos políticos, apesar da expressiva quantidade de votos recebidos. Restam, por conseguinte, os meios político-constitucionais pelos quais também se afirma o exercício da soberania popular: plebiscito; referendo e iniciativa popular. Tratam-se de mecanismos importantes, mas pouco usuais, haja vista que a invocação do plebiscito e do referendo não decorre da vontade originária do eleitor-cidadão.
No que diz respeito à iniciativa popular, embora a proposta legislativa caiba ao povo — se vencidos os obstáculos exigidos pela Constituição —, sua consolidação só ocorre com o exaurimento do processo legislativo, sem nova participação popular. Na prática, o exercício da soberania popular em matéria de democracia direta conta com poucos mecanismos e de difícil manejo, o que leva à sua precariedade funcional, dada a rigidez das condições para seu uso.
Os três institutos por meio dos quais também se exercem a soberania popular são parcamente disciplinados, o que demonstra o descaso do Congresso Nacional em aperfeiçoá-los, de modo a facilitar seu trânsito nas Casas Legislativas. Na iniciativa popular, ite-se a participação do povo na apresentação de projetos de lei, desde que subscritos por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuídos por pelo menos cinco Estados, com não menos de três décimos dos eleitores de cada um deles.
O referendo popular — o mais tímido em ocorrência na vida constitucional brasileira, quase marginalizado materializa-se mediante a participação do povo na ratificação de emenda constitucional ou de projeto de lei aprovado pelo Congresso.
Cabe ao eleitor referendar (ratificar) ou rejeitar (desautorizar) o projeto de lei — premissa que deveria ser a regra em casos de grande interesse nacional, com repercussão profunda na vida dos brasileiros.
No entanto, como o exercício do mandato político, muitas vezes, despreza a prestação de contas ao eleitor, os representantes eleitos deveriam ter o compromisso público de dialogar mais com a soberania popular, ouvindo o povo.
O plebiscito — também em desuso ou pouco utilizado — destina-se a consultar previamente o povo sobre matéria a ser pautada para deliberação popular. Exige-se, para aplicação do referendo ou do plebiscito, que a matéria tenha dimensão relevante e de grandeza constitucional, legislativa ou istrativa. O desinteresse dos congressistas por temas de democracia direta e participativa se acentua diante da escassa ou deficiente disciplina jurídica que se aplica aos institutos do plebiscito e do referendo.Pouco se diz. Logo, pouco se usa!
É fundamental, para o fortalecimento da democracia no Brasil, que se ampliem os mecanismos pelos quais a soberania popular possa se expressar na condução dos destinos da nação. Mais do que o fortalecimento, há ainda a necessidade de aprimorar o exercício da soberania popular, para que o povo seja mais incluído e participativo na vida nacional, especialmente em temas ligados à democracia direta.
Novos mecanismos poderiam ganhar institucionalidade, como o recall — a revogação do mandato político — pelos eleitores descontentes com a representação exercida pelo mandatário. O povo não pode ser considerado um simples intruso, mas o protagonista da história nacional, sobretudo em assuntos caros à cidadania e ao futuro do país.
Advogado*
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