CICLO VIRTUOSO: NEGÓCIOS SUSTENTÁVEIS E TRANSFORMADORES

Economia criativa: Brasil mostra que é possível empreender com sustentabilidade

Sede do maior evento global sobre meio ambiente, Brasil tem um ecossistema empreendedor favorável para impulsionar empresas criativas e que tenham a sustentabilidade em seu DNA, mas são necessários incentivos

Adriana Bernardes
Gabriella Braz
Mariana Niederauer
postado em 08/06/2025 00:01 / atualizado em 08/06/2025 11:29
A economia criativa é um dos setores que mais cresce no mundo e representa % do PIB brasileiro -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
A economia criativa é um dos setores que mais cresce no mundo e representa % do PIB brasileiro - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

O Brasil se prepara para receber um dos mais importantes eventos do ano, tanto pela escala global quanto pelo simbolismo de ocorrer no coração da maior floresta do mundo. Rodeada pela Amazônia, em Belém (PA), a COP30 reunirá autoridades, pesquisadores, ativistas e membros da sociedade civil com a expectativa de dar o tom das políticas mundiais de proteção ambiental na próxima década. 

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Mas mais importante do que o discurso é colocar em prática ações de proteção do meio ambiente. Por isso, o conceito das soluções baseadas na natureza tem ganhado destaque, com abordagens que atuam na restauração ambiental e resiliência climática, mas que também buscam transformar os processos produtivos com potencial de degradação em práticas sustentáveis. 

E de inovação e transformação o empreendedorismo brasileiro entende. É essencialmente nos micro e pequenos negócios, por meio da economia criativa, que emerge a consciência ambiental e social de que o país e o mundo inteiro precisam para ter qualidade de vida e legar às próximas gerações algo além de um planeta destruído.

Com um mercado que move 3% do PIB, de acordo com dados mais recentes do Observatório Nacional da Indústria (ONI), lançados em 2023, a economia criativa deve alcançar 8,4 milhões de empregos em 2030, um aumento de 13,5% em comparação a 2022, quando se tinha 7,4 milhões de empregados no setor. "Sabemos que a economia criativa é um setor que engloba várias atividades, desde que estejam inseridos o talento, a criatividade e o capital intelectual das pessoas que trabalham com isso. São pessoas que transformam o criativo em produtos, serviços e negócios, gerando valor econômico e cultural", afirma Denise Marques, coordenadora nacional de Economia Criativa no Sebrae.

Ela acrescenta que se trata de um segmento muito transversal, englobando negócios nas áreas da música, audiovisual, moda, design, artes visuais, artesanato, publicidade, arquitetura, games e gastronomia. "E, de certa maneira, até essas novas profissões que estão surgindo — como influencer — podem se encaixar como um criativo", ressalta. Denise destaca ainda o baixo investimento inicial necessário na maioria das vezes, tornando-o um terreno de oportunidades para os micro e pequenos empresários. "Além disso, promove inovação, valoriza as identidades culturais locais e estimula cadeias produtivas sustentáveis e colaborativas", ressalta (leia Três perguntas para).

Ninguém fica para trás

As empresas do setor emergem com maior consciência sobre a importância da inclusão, valorizando o trabalho de mulheres e de jovens, preocupadas com o meio ambiente e com a redução das pegadas de carbono e, por isso, alinhadas aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pela ONU, contribuindo para uma maior diversificação e competitividade da economia. Não à toa, seu impacto no comércio global também tem sido significativo e é um dos que mais cresce no mundo.

As exportações de serviços criativos atingiram US$ 1,4 trilhão em 2022, um aumento de 29% desde 2017. Já as de bens criativos atingiram US$ 713 bilhões, um aumento de 19%, segundo dados do relatório Perspectivas da Economia Criativa 2024, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Na última década, a participação dos serviços criativos no total das exportações de serviços aumentou de 12% para 19%, enquanto a participação dos bens criativos no total das exportações de bens se manteve estável, em torno de 3%, desde 2002. Os países em desenvolvimento aumentaram a participação de 10% em 2010 para 20% em 2022.

"A economia criativa tem as forças certas impulsionando suas velas. Não é apenas arte. É uma potência econômica que devemos explorar juntos, sem deixar ninguém para trás", observou Rebeca Grynspan, Secretária-Geral da UNCTAD, quando foi lançado o relatório.

Pesquisa e equilíbrio

Tirar um negócio amigo do planeta do papel traz desafios teóricos e práticos para equilibrar a criação artística e cultural com a sustentabilidade financeira. Além disso, é preciso estar atento às tendências, que mudam conforme o cenário econômico e social. 

Para Armando Fornazier, doutor em desenvolvimento econômico e professor da Universidade de Brasília (UnB), é crucial tornar o empreendimento viável financeiramente e superar a dificuldade em escalar para o mercado. "As tecnologias são aliadas e vem acelerando muito a economia criativa. Reuniões virtuais, trabalho remoto, sistemas de programação, tudo isso é fundamental. Mas não se pode perder de vista o consumidor, ao mesmo tempo que quer ser hightech, tem gente querendo desacelerar", alerta. 

As tendências atuais incluem a convergência entre práticas culturais e tecnologias digitais, o crescimento de projetos com compromissos socioambientais e a valorização de experiências culturais com impacto social, enumera a professora doutora Daniela Fávaro Garrossini, do Instituto de Artes/Departamento de Design, e vice-coordenadora do Observatório de Políticas Culturais (OPCULT/UnB). 

Segundo ela, observa-se também uma crescente aproximação entre cultura e bem-estar. "Isso indica que a criatividade tem sido mobilizada como resposta a crises sociais, ambientais e subjetivas, contribuindo para a reconstrução de modos de vida mais integrados", explica. 

A UnB exerce um papel significativo na formulação de estratégias inovadoras ao integrar diferentes campos do saber em suas atividades de ensino, pesquisa, extensão e inovação. "Nesse contexto, e na UnB, o Decanato de Pesquisa e Inovação atua como instância de articulação e fomento, apoiando iniciativas que aproximam a produção acadêmica das transformações culturais e sociais em curso, promovendo aportes significativos no campo da inovação", finaliza Daniela.

Brasília criativa e efervescente

Dentro do Quadradinho, a cultura vibra e se apresenta como uma das soluções para a economia e sustentabilidade ambiental. O Panorama da Economia Criativa do Distrito Federal — iniciativa da Universidade Católica de Brasília (UCB), em parceria com o Instituto Fecomércio DF, Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF) e Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF)  — mapeou mais de 130 mil atores da economia criativa de diferentes setores, como música, literatura e artesanato. As atividades foram divididas em quatro categorias, que vão desde o cantor à equipe de montagem do palco, por exemplo. São elas: atividades primárias, indústrias culturais, indústrias criativas complexas e atividades relacionadas. No entanto, engana-se quem enxerga essas áreas como isoladas. "É uma cadeia que vai se articulando conforme o projeto", explica o coordenador do estudo, Alexandre Kieling, membro da Câmara de Economia Criativa do Instituto Fecomércio. O professor, que é membro da Cátedra da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) de Economia Criativa e Políticas Públicas, explica que cultura e sustentabilidade estão lado a lado. "Todas elas são indústrias limpas, elas não emitem nenhum tipo de resíduo", explica. "Além disso, estão entrando num nível de consciência cada vez maior sobre o descarte de resíduos."O especialista destaca algumas dessas medidas, como a adoção de copo reutilizável em festivais e destinação de garrafas e outros materiais para a reciclagem. "Isso implica mudar a cultura do próprio público, e a gente está caminhando bem acelerado nesse processo", comemora. Outro avanço no setor criativo, segundo ele, está no artesanato, que se preocupa cada vez mais com os insumos utilizados na produção e na sustentabilidade das embalagens.Para a COP30, em Belém, Kieling destaca que o Instituto Fecomércio DF deve levar bons exemplos da economia criativa de Brasília. Entre eles, soluções sustentáveis na rede hoteleira, turismo, games e eventos culturais. 

Três perguntas para

Denise Marques, coordenadora nacional de Economia Criativa no Sebrae

 

Qual é o cenário no Brasil hoje? Ainda é preciso valorizar mais os empreendedores desse setor? E como fazer isso?

A economia criativa no Brasil representa cerca de 3% do PIB, segundo o Observatório Itaú Cultural, e emprega mais de 7,4 milhões de pessoas, sendo uma grande maioria formada por micro e pequenos negócios formalizados, sobretudo os MEI (microempreendedor individual). Entende-se que o mercado é promissor e relevante para a economia brasileira. Mas sempre temos espaço para melhorias. Precisamos, além de formalizar mais criativos, preparar aqueles que já são formalizados para uma melhor maturidade de gestão dos seus negócios e, com isso, alcançar patamares empresariais mais consolidados. O Sebrae oferta apoio, de diversas maneiras, com capacitações, mentorias e projetos, para ajudar os criativos na gestão do empreendimento. 


Como a economia criativa se conecta com objetivos de sustentabilidade ambiental nas empresas?

Boa parte dos negócios criativos valoriza processos artesanais, valoriza a preservação do território e de suas particularidades, tendo uma sintonia fina com objetivos de sustentabilidade. Para as produções audiovisuais, temos recursos para calcular as emissões de carbono, bem como são seguidas boas práticas em governança, energia, transporte, figurino. A moda também é um exemplo de segmento onde tem sido empregada a reutilização de materiais, a economia circular, a valorização de insumos naturais e regionais.


Que tipo de e o Sebrae oferece para essas empresas?

O Sebrae dá apoio com capacitações, orientação, mentorias, cursos on-line até mesmo pelo WhatsApp e aulas presenciais no que se refere à sustentabilidade nos negócios, focando em temas como ESG, gestão ambiental e impacto socioambiental. Esses cursos visam capacitar empreendedores a integrar a sustentabilidade à gestão de seus negócios, buscando desenvolvimento com responsabilidade social e ambiental. Confira o portal www.sebrae.com.br, digite economia criativa na busca e verá algumas das capacitações perenes, fora outras opções específicas.

 

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